Marcelo Xavier é um artista autodidata que inspira e mostra que a arte pode ser encontrada nos lugares mais inesperados. Nascido em 19 de maio de 1949, na cidade de Ipanema, localizada no leste de Minas Gerais, Marcelo passou grande parte de sua infância em Vitória, no Espírito Santo. Mais tarde, mudou-se para Belo Horizonte (MG), onde se formou em Publicidade.
Há quase 40 anos, Marcelo dedica-se à ilustração tridimensional, que consiste em criar cenários em miniatura com personagens e objetos modelados em massinha, fotografando-os em seguida. Hoje, ele é reconhecido como um artista plástico, criador de cenários, roteirista de programas de TV, animações e vídeos, além de ser escritor e ilustrador. Como autor, Marcelo Xavier cria textos, desenhos e projetos gráficos para diversos livros infantis, incluindo "Meu amigo mais antigo", "Três formigas amigas" e "Andarilhos".
Neste bate-papo, Marcelo fala sobre seu processo criativo e sua relação com a literatura infantil.
Qual a sua relação, como leitor, com a literatura infantil?
Acredito que essa relação tenha a ver com sorte. Eu morava em Vitória (ES) e tive a sorte de ser vizinho da biblioteca pública da cidade. Isso facilitou muito essa relação, porque a minha turma tinha por hábito frequentar essa biblioteca à noite. E isso foi nos anos 50, quando não tinha televisão, computador nem nenhuma dessas telas. A única tela que nos servia era o telão do cinema. E a minha relação com a literatura passa pelo cinema e, principalmente, pelos quadrinhos, que era uma arte possível nas nossas mãos. Como era bom!
Como e por que a literatura infantil começou a fazer parte da sua vida profissional?
A minha relação profissional com a literatura infantil veio por meio do trabalho que eu desenvolvo desde sempre com as artes visuais. Quando eu fui convidado pela (escritora) Branca de Paula para ilustrar o livro “Truques Coloridos”, me veio a ideia de usar a massinha de modelar para fazer as ilustrações. É o que chamamos de ilustração tridimensional. O livro teve uma aceitação muito grande, ganhou o Prêmio Jabuti de melhor produção editorial. Com isso, passei a criar livros de minha autoria. Carregava comigo o menino que tinha dentro de mim e ficava timidamente escondido. Foi assim que passei a me introduzir no universo da literatura infantil de forma profissional.
Seu trabalho artístico é um forte fio condutor nas suas obras. O processo de escrita também é guiado pelas imagens que ilustram seus livros? Como funciona seu processo criativo?
A minha formação estética e artística não dispensou a linguagem dos quadrinhos, em que há texto e imagem caminhando juntos de forma interdependente. Já no primeiro livro ilustrado, pude desenvolver a técnica da ilustração tridimensional feita com massinha. Isso acabou se tornando uma característica do meu trabalho. O texto e a ilustração nascem juntos: não consigo separá-los, e isso é evidente em alguns livros. No meu trabalho, a ilustração não sobrevive sem o texto, nem o texto é entendido sem a ilustração. A mensagem é dada por duas linguagens.
O que faz com que a relação entre arte e palavra aconteça de modo tão expressivo na literatura infantil?
Primeiro, precisamos entender, realçar e destacar que a palavra é, também, uma linguagem artística. A palavra é uma das expressões que a arte utiliza para estar no mundo, no mundo sensível. E a arte pode estar em qualquer um dos campos da atividade humana, desde que você faça uso da linguagem, transformando-a em artística. E a literatura é isto: você tem as mesmas palavras que poderiam estar num contrato, que poderiam estar em um documento qualquer, ou num texto publicitário ou jornalístico. Então é por isso que a literatura infantil tem essa expressividade toda, porque são duas artes juntas. São duas linguagens artísticas juntas: a linguagem visual e a linguagem da palavra.
Quais os grandes desafios da literatura infantil hoje?
Os desafios são muitos, pois muitos são os caminhos que se abriram na expressão humana, na quantidade de possibilidades que a tecnologia trouxe para o nosso dia a dia. A gente tem uma profusão de telas à nossa disposição. Essa presença, muitas vezes massacrante, das telas na vida das crianças é um desafio para literatura infantil. Acredito que educadores, professores e família precisam inserir a literatura na vida desses mini cidadãos. Então, um dos grandes desafios é não deixar que o livro físico morra. É algo que você pode tocar, cheirar, ter como um objeto que não desaparece com um clique. E o caminho para isso é a convivência pacífica com a tecnologia. Se a gente não consegue ser apenas virtual, o livro também não suporta ser enterrado vivo.
Quais dicas você daria para autores que se aventuram pela produção de obras infantis?
Basta você deixar aquela criança que está dentro de você assoprar no ouvido o que ela gostaria de ler, de saber, de ouvir e de viver. Então, todo aquele espírito de aventura, de sede do novo e de emoções que alimentam o espírito da criança devem estar no livro que você se propõe a fazer. Então, é só isto: você deve deixar sua criança agir e, com a sua maturidade, você se torna um guia, um facilitador. Assim, outras crianças passam a ter a oportunidade de ter um contato com o universo da arte, o que é uma experiência indispensável na qualidade de vida física e espiritual do ser humano.