Com um currículo dedicado à arte da narração de histórias, Aline Cântia é uma figura notável no campo da educação e da promoção cultural. Doutora em Educação pela UFF-RJ e mestre em Estudos Literários pela UFMG, há mais de uma década Aline atua como Diretora-presidente do Instituto Cultural AbraPalavra. A organização sociocultural desempenha um trabalho de promoção da narração de histórias e de preservação da memória coletiva. Sob sua liderança, o Instituto AbraPalavra coordena projetos locais e internacionais que celebram a arte da narração, como a Candeia: Mostra Internacional de Narração Artística, o Era uma Voz: ciclo de reflexões sobre narração e outras linguagens e o Contos de Lá nos Cantos de Cá, entre outros.
Nesta entrevista, ela fala sobre sua trajetória com a produção cultural, sobre o trabalho e os aprendizados com o Instituto AbraPalavra e sobre como os projetos da organização saem do papel e ganham vida.
Qual é sua trajetória com produção cultural e dentro do Instituto AbraPalavra?
O Instituto Cultural Abra Palavra já existe há 11 anos e a nossa história começa com a produção artística. Quando eu dava aulas em uma faculdade, tive o Chicó do Céu como aluno – eu, contadora de histórias, e ele, músico. A gente juntou essas duas expressões artísticas e começou a tentar entender como poderia trabalhar isso na nossa vida. Resolvemos fazer uma viagem pelo Brasil, porque tínhamos o desejo de nos apresentar nas cidades, de conhecer as comunidades quilombolas e as comunidades tradicionais. Durante três meses, a gente ligava para as prefeituras, para as secretarias de cultura e trocava hospedagem, alimentação e transporte pelo nosso trabalho. E, assim, passamos por vários lugares.
Nessa viagem, a gente começou a entender que existiam as políticas públicas para a cultura, conhecemos os pontos de cultura pelo Brasil. Quando voltamos para Belo Horizonte, chegou a hora de se inserir no mercado e nos formalizamos, primeiro como MEI. Logo percebemos que precisávamos de mais pessoas com a gente, porque os projetos foram sendo ampliados, e descobrimos a possibilidade de virar um CNPJ, como uma associação.
Assim nasceu o Instituto Cultural AbraPalavra, que nos mostrou também a possibilidade da gente se inserir no mercado por meio dos financiamentos diretos e dos editais. Então a gente começou com uma fase de criação artística, passou pela gestão cultural e entrou então no universo do fomento. Hoje tudo caminha junto, tanto a produção cultural quanto a criação artística.
O Instituto Abrapalavra desenvolve diversos projetos, como o Candeia e o Era uma Voz. Você pode contar um pouco sobre os projetos do Instituto?
A gente tem a frente de criação, de pesquisa e editorial, mas a produção cultural é hoje muito forte no instituto. Um dos nossos maiores projetos é a Candeia, que é a Mostra Internacional de Narração Artística, que já está indo para a sexta edição, e que é realizada por meio de editais públicos: editais do município, do estado, federal e parcerias. Na Candeia acontece o encontro de contadores de histórias para apresentações artísticas, além de rodas de conversa e oficinas.
Temos ainda outros projetos que são contínuos no instituto, como o Somos da Cidade, uma mostra internacional de violão, já em sua quinta edição. Com a chegada de outros colaboradores no AbraPalavra, a gente começou a abraçar outros trabalhos, como esse, voltado para a música. E outro projeto que realizamos de forma contínua é o Era Uma Voz, de fomento ao livro e à leitura, focado em formação, com algumas apresentações artísticas também de narração e mediação de leitura.
Hoje, também somos uma editora, que é outra frente que queríamos muito implementar, como forma de ter um espaço para publicar aquilo que a gente vinha pensando e, principalmente, para produzir dados. A gente percebe que a cultura está num lugar simbólico que a gente acha importantíssimo, mas para além do simbólico, é essencial pensar também no seu lado econômico e social. E acredito que produzindo e sistematizando dados a gente consegue ter mais investimento e mais espaço.
Como um projeto ganha vida dentro do AbraPalavra?
Tudo começa com a ideia e a gente tem então uma gestão muito compartilhada. Depois que a ideia vem, a gente passa a se reunir para pensar como ela pode ser executada, e o primeiro passo é buscar os editais e as possibilidades de financiamento: quais editais abrem ao longo do ano, quais as possibilidades de parceria? Ao fazer esse mapeamento das possibilidades, a gente produz um portfólio, escreve sobre a ideia, faz o desenho disso junto com nosso designer e passa a apresentar a proposta, seja para o financiador, para uma empresa ou para editais.
Passada essa fase, se a gente conseguir uma aprovação ou parceria, inicia-se a pré-produção, que é pensar quem vai participar desse projeto com a gente. Junta-se então a nossa assessoria jurídica com a assessoria contábil e começamos o processo de contratação de pessoas. Depois a gente passa a executar o projeto, que é uma parte muito coletiva – a gente fala que é uma produção circular, para que todo mundo entenda o processo como um todo.
O registro de tudo isso é algo muito importante também para o AbraPalavra: tudo que a gente faz a gente registra, em ata, em foto, em vídeo e em relatórios. Assim como a comunicação e a divulgação, que sempre caminham junto com o projeto, como forma de registro e de viabilizar futuros projetos, novos aportes. E, por fim, a gente faz essa prestação de contas, tanto em relatório, quanto a prestação de contas do valor que foi gasto.
O que a sua experiência no AbraPalavra te ensinou sobre a elaboração de projetos culturais?
Quando eu penso nesses projetos todos, uma primeira pergunta é para quem eu estou fazendo: qual é o nosso público. Às vezes a gente pensa muito no projeto, em como fazer, mas pensar no público é essencial, algo que eu aprendi muito a partir de momentos que deram certo. No início da minha carreira, já aconteceram ações em que eu estava tão preocupada em realizar, que eu não me preocupei tanto em buscar o público, e às vezes eu tinha um projeto que era para um público, mas a minha divulgação chegava a outro.
Mais um aprendizado é ter muita atenção com a documentação exigida, porque às vezes a gente perde um financiamento por um documento que não foi entregue a tempo. Hoje sempre trabalhamos com uma sistematização de documentos. Ainda nesse campo, outra questão fundamental é ter sempre tudo registrado: qualquer ação que eu fizer hoje no AbraPalavra, eu registro.
Para você, o que é empreender na cultura? Quais conselhos você daria para quem empreende na área?
O primeiro conselho que eu daria é acreditar mesmo naquilo e fazer de maneira coletiva. Eu acho que o coletivo é algo muito importante quando se está falando de cultura e de empreender, porque a gente não empreende sozinho. Por mais que seja um trabalho de uma pessoa, para aquilo acontecer eu tenho que pensar nos outros profissionais que precisam estar comigo, preciso pensar em para quem a gente está fazendo.
É também pensar no ciclo da organização, no ciclo do fazer e da finalização, não dá para pular etapas. Empreender na cultura é acreditar que a cultura não anda sozinha, que a cultura é transversal à educação, à saúde, ao meio ambiente, à economia – estamos sempre lidando com vários outros aspectos da sociedade. É um coletivo de pessoas, de pensamentos e de áreas.