Caminho para a geração de empregos e renda no setor audiovisual

Débora Ivanov sempre se dividiu entre o Direito e as Artes. Além da formação como advogada, também estudou Comunicação Visual e trabalhou com artes plásticas e gráficas. Foi o desejo de atuar no audiovisual que a fez investir em uma carreira no setor. Transformou-se em produtora de cinema e, hoje, tem no currículo mais de 60 filmes, entre eles, os sucessos “Que Horas Ela Volta?” e “Até Que a Sorte Nos Separe”. O conhecimento do Direito ajudou Débora a entender as políticas públicas de fomento ao cinema brasileiro e essa atuação fez com que ela fosse nomeada diretora da Agência Nacional de Cinema (Ancine), onde trabalhou de 2015 a 2019. Nesse período, chegou a ocupar a presidência do órgão provisoriamente. Depois da passagem pelo setor público, a produtora retomou projetos comerciais; voltou a participar da administração da Gullane Filmes, empresa que fundou ao lado de Caio e Fabiano Gullane; e passou a trabalhar como consultora do mercado audiovisual. Débora participou da divulgação do “Diagnóstico Socioeconômico do Setor Audiovisual em Minas Gerais”, realizado pelo Sebrae Minas e pela ONG Contato, em parceria com a Faculdade de Ciência Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Grupo Bauminas. O estudo apresentou dados sobre o crescimento desse mercado no Estado e indicou oportunidades a serem exploradas na área. Nesta entrevista, Débora fala sobre o início da carreira, a importância das políticas públicas para o setor do audiovisual e a compreensão sobre a relevância da atividade para a economia criativa gerando empregos e renda. A produtora também destaca o trabalho no Instituto Querô, que promove o acesso à cultura e já capacitou mais de 500 jovens para trabalhos no setor, além de envolver mais de sete mil alunos em atividades da organização.

Sebrae Minas – Você é formada em Direito. Em que momento a advogada envereda para o cinema?

Débora Ivanov – Eu sempre me dividi entre o Direito e as Artes, tanto que eu também estudei Comunicação Visual. Trabalhei com artes plásticas, como assistente de um grande pintor brasileiro chamado Thomaz Ianelli, e realizei vários trabalhos nesse campo. Atuei, ainda, nas artes gráficas e fiz muitos cartazes e catálogos para festivais de curtas-metragens e documentário. Sempre tive esse desejo de estar no audiovisual. Casei com o cineasta Carlos Cortez, que também veio de outra área e tinha desejo de trabalhar com cinema. Então, quando nos encontramos e nos apaixonamos, pensamos que seria a hora de fazermos uma transição de carreira. E, fizemos.

Sebrae Minas – E como foi esse começo de carreira no cinema?

Débora – Nós começamos a estudar e a fazer pequenos trabalhos em paralelo às outras atividades, pois, pelo menos para mim foi assim, não conseguia ter uma sustentabilidade para atuar apenas no audiovisual. Até porque, quando decidimos começar, era o período do Governo Collor, quando todos os incentivos fiscais e políticas públicas de fomento ao setor tinham sido extintos. Aí, nós nos colocamos à prova e pensamos se íamos mesmo lutar pelo nosso sonho nesse cenário de terra arrasada. Olhamos um para o outro e dissemos “sim” para a construção desse futuro. A partir daí, começamos a fazer trabalhos
institucionais. No nosso caso, como sempre fomos ativistas, passamos a fazer vídeos para movimentos sociais de trabalhadores, mulheres e estudantes. Foi essa a nossa entrada até conseguirmos fazer o nosso primeiro projeto autoral, que, na época, contava com o apoio de políticas públicas. O Estado de São Paulo tinha o prêmio “Estímulo”, concedido a novos talentos para realizarem documentários. Nós ganhamos um edital, fizemos o primeiro curta metragem e começamos a circular pelos festivais até conseguirmos recursos e apoio para fazer um documentário chamado “Geraldo Filme”, que conta a história da cultura negra e do samba em São Paulo. Esse documentário ganhou um prêmio do festival “It´s All True”, o que nos deu a confirmação de que a carreira estava em um bom rumo.

Sebrae Minas – Quando surge a Gullane Filmes nessa trajetória?

Débora – Fazendo “Geraldo Filme”, eu conheci os irmãos Caio e Fabiano Gullane. Eu procurava um produtor executivo, eles já eram bastante conhecidos e me indicaram que o Caio teria uma brecha de tempo para, quem sabe, fazer a produção do documentário. Ele aceitou, nós fizemos esse trabalho juntos e nos apaixonamos profissionalmente. Foi tão maravilhoso! Eles são tão bons, profissional e humanamente, que eu teria esperado dois anos para atuar com os dois. Nesse período, eles lançaram o primeiro longametragem que levava o nome deles, “Bicho de Sete Cabeças”, porque, até então, eles trabalhavam como produtores executivos para outras produtoras. Isso foi em 1998, e resolvemos nos unir.

Sebrae Minas – omo era o trabalho nesse início da produtora?

Débora – Nessa época, era tudo muito simples. O escritório deles era uma caixa, esses engradados, que eles tinham no carro. Todo o acúmulo de conhecimento deles tinha que caber numa caixa que eles levavam para lá e para cá. O nosso primeiro escritório foi dentro da minha casa. É bom para os jovens verem que começamos arregaçando as mangas, com garra e vontade. A primeira área que montamos na Gullane foi a jurídica. A segunda pessoa contratada para a nossa equipe foi uma advogada. Quando se fala em audiovisual, as pessoas só pensam nas carreiras artísticas, mas a gestão é fundamental. Direito, finanças, administração, esse pensamento estruturante e que dá segurança é essencial.

Sebrae Minas – Você trabalhou na Agência Nacional de Cinema (Ancine) de 2015 a 2019 e, nesse período, chegou a ocupar provisoriamente a presidência do órgão. Como foi atuar nesse outro lado do setor?

Débora – Como produtora, cabia a mim entender de todas as leis de incentivo, decupar todos os editais de fomentos públicos federais, estaduais e municipais. Passei a atuar na área de negócios, ajudando a dar segurança para nossos parceiros, e a participar de associações e sindicatos representativos do setor. São nesses espaços onde atuamos coletivamente, trocamos muitas informações e temos esse ativismo. A Gullane e eu, Débora, somos frutos das políticas públicas do audiovisual, que têm 30 anos. Essas conquistas públicas são muito impulsionadas pela sociedade civil, sindicatos e associações, com os quais eu sempre estive envolvida. Essa atuação técnica e ativa é que me levou ao convite para atuar na Ancine. Estando lá, confesso que achei que estava muito preparada, mas a administração pública é outro
mundo e eu aprendi muito. A Ancine não é um corpo separado, ela faz parte das regras da administração pública federal, tem muita burocracia e é muito difícil provocar mudanças. Não depende só da Ancine, mas de vários ministérios e outros órgãos. Eu era uma das poucas diretoras que vinha da prática do setor, de uma trajetória de muita produção. E, vindo com essa carga dos sindicatos e associações, eu tinha pautas enormes, mas estávamos passando por um período muito difícil, com muitas trocas de ministro e diretores. Foi uma fase em que eu aprendi muito e fiz muito por lá.

Sebrae Minas – Acredita que há muita incompreensão sobre o funcionamento das leis de incentivo e a importância do audiovisual como um vetor da economia criativa que gera empregos e renda?

Débora – Sim, há pouca compreensão sobre a nossa atividade. Boa parte da sociedade nos vê como artistas que criam do nada e tudo acontece, e não conseguem enxergar a indústria que existe por trás, a organização. Costumamos dizer que um set de filmagem parece uma atividade de exército. Tem um comando e cem pessoas fazem tudo na mesma direção, viram noites trabalhando. É muita gente empenhada para que tenhamos um resultado que pareça natural para quem vê. É difícil enxergarem que aquilo foi construído, que cada figurante estava coordenado, que cada cenário foi cuidadosamente organizado. Essa incompreensão sobre as leis de incentivo também é muito grave, porque vários ramos da economia têm incentivos fiscais e os nossos, a maioria deles, são incentivos para a própria indústria, para distribuidores, canais de televisão aberta e por assinatura. É um recurso que vem do setor e vai para o setor. O Fundo Setorial do Audiovisual, que é o que mais chama atenção por ter um grande porte, é importante esclarecer, tem uma arrecadação que, por lei, não pode ser destinada a outras áreas. As pessoas acham que deveria ser usado para a saúde ou educação, mas é um recurso legal que não pode ir para nenhum outro campo de atividade econômica ou social. É importante ter a compreensão de que ele é um recurso que alimenta outra cadeia que precisa de apoio em qualquer lugar do mundo, que é a produção independente, que não possui uma estrutura gigantesca. Então, por um lado, as pessoas não entendem que há uma indústria, com muita geração de empregos, renda, tecnologia e qualificação de mão de obra; e, por outro lado, também não entendem que a maior parte dos incentivos fiscais e o Fundo Setorial correspondem a um dinheiro do setor para o setor. Não estamos disputando esses recursos com outros. E, quando falamos da Lei do Audiovisual, que é um recurso que qualquer empresa grande pode destinar, ele é mínimo frente aos incentivos fiscais totais que a União oferece aos demais setores. Não entendemos o porquê dessa incompreensão e até de alguns ataques que o nosso setor sofre.

Sebrae Minas – Qual a importância de estudos como o “Diagnóstico Socioeconômico do Setor Audiovisual em Minas Gerais” para traçar um panorama sobre o mercado?

Débora – Esses estudos são fundamentais para identificar gargalos e oportunidades, tanto para o desenho de políticas públicas quanto para as próprias empresas, quer elas sejam pequenas ou grandes. Eu olhei para a pesquisa e pensei em quantas oportunidades estão ali, fora do pensamento tradicional a que estamos acostumados. Sempre temos o desejo de realizar projetos autorais e, por isso, nos voltamos para as perspectivas de fomento público, mas o audiovisual é muito maior do que isso. O campo institucional é gigantesco, o educacional também, além da produção para mídias digitais, publicidade e games. É uma atividade que cresce no mundo inteiro. Sabe por quê? Porque vivemos em uma sociedade de telas e os conteúdos precisam ser produzidos, desde os vídeos pequenos para as redes sociais até as grandes obras e séries para plataformas. Por isso, ter diagnósticos com a qualidade desse estudo feito pelo Sebrae Minas, a ONG Contato e a universidade, que mapeia o potencial e as fraquezas da região, inspira e permite que sejamos mais assertivos nas ações. Fiquei bastante impactada com a qualidade desse diagnóstico e pelo fato de ser uma série histórica, que é sempre importante por conta dos movimentos do mercado e pelo fato de estarmos em um setor que está mudando, tanto no modelo de negócios quanto no perfil do consumidor.

Sebrae Minas – Como analisa o mercado audiovisual hoje, considerando esse constante movimento? Já é possível identificar influências, por exemplo, dos serviços de streaming?

Débora - O mercado está em um movimento de grandes mudanças, que foram aceleradas pela pandemia. Os serviços de streaming cresceram 26% só no primeiro ano da pandemia e a tendência é continuar crescendo. O consumidor, agora habituado a acessar conteúdos a qualquer momento e de qualquer lugar, está cada vez mais ávido por novidades, impulsionando também um maior volume de produção em todo o mundo. Uma mudança do perfil dos conteúdos também é uma tendência nesse mercado. As plataformas têm investido em produções locais, em diferentes países, para fidelizar consumidores em cada território e, ao mesmo tempo, oferecer globalmente conteúdos diversificados. Outra mudança que veio para ficar foi a priorização de produção de séries para garantir maior volume de conteúdos nas plataformas. Esse crescimento global dos serviços de streaming, a necessidade de grande volume de conteúdos e de diversidade regional traz excelentes oportunidades para produtores locais.

Sebrae Minas – Você fundou o Instituto Querô, que promove o acesso à arte e cultura. Qual a importância de criar essas oportunidades, que acabam formando profissionais e, também, público para o cinema brasileiro?

Débora - Iniciativas como as do Instituto Querô são fundamentais para contribuir com o desenvolvimento dos jovens de regiões periféricas. A iniciação na linguagem audiovisual é fundamental para dar voz aos jovens em suas ações, na escola ou nas suas comunidades. Também é uma oportunidade de adentrar no universo profissional, em um mercado bastante promissor. Paralelamente, o instituto foca numa formação cidadã, debatendo valores e direitos sociais, ampliando seus horizontes e trabalhando a autoestima de cada um para seu fortalecimento pessoal. Os impactos são muitos: jovens mais conscientes, mais atuantes, com uma melhor comunicação, com uma iniciação profissional e, também, com certeza, mais apaixonados pela produção nacional.

 

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